QUANDO SERGIO MORO e os procuradores da Lava Jato gravaram e vazaram ilegalmente a
conversa entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma, eles sabiam que estavam cometendo um crime,
conforme revelou reportagem da Folha de S. Paulo em parceria com o Intercept.
O procurador Andrey Borges de Mendonça comentou com seus colegas no Telegram
que seria “juridicamente difícil de argumentar” sobre a validade da prova e
disse “que o STF não a aceitaria”. Outro procurador, Carlos Fernando Lima,
rebateu: “Nesta altura, filigranas não vão convencer ninguém”. A conversa
continua até que o chefe da operação, Deltan Dallagnol, encerra o assunto com
uma frase que é uma síntese da atuação da Lava Jato: “a questão jurídica é
filigrana dentro do contexto maior que é político.”
Mendonça, ingênuo, acreditou
que o STF trabalharia de acordo com a Constituição, enquanto Carlos Fernando e
Dallagnol estavam certos de que os ministros julgariam com a faca no pescoço. A
divulgação do áudio fazia parte da estratégia da Lava Jato de manipular a
opinião pública e, assim, constranger os ministros. Àquela altura, graças ao
apoio maciço e acrítico da grande imprensa — principalmente a Rede Globo —, a Lava
Jato era inquestionável. Foi assim, pressionado por uma opinião pública
manipulada, que Gilmar Mendes decidiu anular a posse de Lula como ministro com
base em um grampo que até mesmo os procuradores sabiam ser ilegal. À
época, o ex-presidente ainda não era indiciado, denunciado ou réu, mas o STF
interpretou o áudio como tentativa de garantir foro privilegiado — a mesma
interpretação não valeria posteriormente para Moreira Franco. A Lava Jato
conseguiu colocar a sua estratégia política acima da Constituição com a
conivência de quem deveria protegê-la.
Em agosto último, Gilmar
Mendes admitiu a omissão do STF com a farra da
Lava Jato: “É um grande vexame e participamos disso. Somos cúmplices dessa
gente ordinária. É altamente constrangedor. Todos nós que participamos disso
temos que dizer ‘nós falhamos’”.
Gilmar já dançou a popular
valsa da Lava Jato, mas por pouco tempo. Acabou virando uma pedra no
sapato da operação. Mas outros ministros foram grandes parceiros e
atuaram sistematicamente em consonância com os arbítrios lavajatistas. Barroso,
Fachin e Fux eram tratados como aliados de altíssima confiança no STF entre os
procuradores, como mostram as conversas reveladas pela Vaza
Jato. Dallagnol e alguns desses ministros mantinham uma relação
próxima, porém secreta. Os fatos são conhecidos, mas acabam se perdendo em
meio a tantas revelações neste Brasil 2019. É importante relembrar
como parte do STF foi fundamental para que a Lava Jato hackeasse o
ordenamento jurídico brasileiro e impusesse o seu projeto de poder.
A aliança secreta
com Barroso
Barroso sempre foi o ministro mais fiel ao lavajatismo. Em muitas
ocasiões, fez defesas apaixonadas da operação no tribunal, sempre ancoradas em
um critério bizarro, estabelecido por ele mesmo: a interpretação da
Constituição em “sintonia com o sentimento social” e
“alinhado à vontade da maioria”. O juiz não resistiu à tentação de jogar para a
torcida e ter uma presença privilegiada no Jornal Nacional.
Com a sociedade contaminada
pelas manipulações dos procuradores, ficou fácil para Barroso matar no peito as
bolas mais absurdas do lavajatismo. Bastava espremer a Constituição para que
dela saísse o que a torcida esperava e correr para o abraço.
Integrantes da Lava Jato
buscavam manter uma relação próxima e secreta com Barroso. Se Gilmar Mendes era
visto como um inimigo a ser combatido, Barroso era um aliado importante a se
cultivar. Uma reportagem da Vaza Jato — chamada por Barroso de “fofocada produzida por criminosos”—
revelou que o ministro convidou, em agosto de 2016, Moro e Dallagnol para
participar de um jantar em sua casa. O ministro garantiu que o evento seria
“reservado e privado”, com “máxima discrição”.
Foto: José
Cruz/Agência Brasil
Os dois lavajatistas viajaram
de Curitiba até Brasília para prestigiar a festinha. Reuniram-se ali, portanto,
o acusador, o juiz de primeira instância e um juiz de terceira instância. O
primeiro manipulava a opinião pública, enquanto o segundo e o terceiro atendiam
aos anseios dela. Era um jogo ganho em que o cumprimento das leis era um
detalhe irrelevante. Essa relação promíscua se dava de forma secreta, claro.
Era preciso que o “sentimento social” continuasse alheio ao que eles faziam nas
sombras.
Em março do ano passado, quando
Barroso determinou a prisão de José Yunes, ex-assessor do então presidente
Temer, Dallagnol comentou com os procuradores no Telegram:
“Barroso foi para guerra aberta. E conta conosco como tropa auxiliar”.
Quando Dallagnol bancou o
legislador e moveu mundos para promover as famigeradas “10 medidas contra a
corrupção”, enviou mensagem aos colegas garantido o
apoio de Barroso na divulgação. Sempre de forma secreta, é claro: “Caros,
comentei com Bruno, mas isso tem que ficar entre nós três, please. Hoje falei
com Barroso, que gostou muito da ideia das medidas e da campanha da
Transparência Internacional e vai divulgar. Passei pra ele os arquivos e
materiais.”
AHA! UHU! O Fachin
é nosso!”
Dallagnol não conseguiu
disfarçar a empolgação por ter garantido o alinhamento de um ministro do STF.
Depois de se encontrar com Edson Fachin em julho de 2015, compartilhou a
alegria com os colegas procuradores: “Caros, conversei 45 minutos com o Fachin.
Aha uhu o Fachin é nosso.” Era o chefe da Lava Jato comemorando com seus
subordinados o fato de que um dos juízes que vai julgar suas denúncias estava
alinhado com a acusação.
Dois anos após esse acordo, a
morte de Teori Zavascki fez com que Fachin assumisse a relatoria dos casos da
Lava Jato. E o alinhamento acordado naquela reunião com Dallagnol foi cumprido
à risca. Fachin assumiu um papel punitivista e todas suas decisões se
mantiverem alinhadas ao projeto político lavajatista.
Após as publicações da Vaza
Jato, a defesa de Lula entrou no STF pedindo a sua liberdade diante das
escancaradas evidências da falta de isenção dos procuradores da força-tarefa,
mas Fachin negou. Óbvio, tratava-se de um jogo de cartas
marcadas. Como revelaram os diálogos do Telegram, o ministro tinha um acordo
para cumprir. Aha uhu!
Quando Luiz Fux ignorou a Constituição e suspendeu a
liminar que autorizava a entrevista de Lula à Folha na prisão, a justificativa
foi do jeito que a Lava Jato gosta. Segundo ele, as decisões dos ministros do STF
deveriam representar “o anseio da sociedade”. Mais uma vez, um ministro declara
que a vontade popular norteia suas decisões. Fux também gostava de jogar pra
galera. E Dallagnol sabia muito bem como domá-la: um vazamento aqui, outro ali,
um e-mail para grupos militantes de direita e pronto! Temos um “anseio popular”
para guiar as decisões no Supremo.
Em abril de 2016,
um mês antes da queda de Dilma, Dallagnol se reuniu com Fux e enviou mensagem aos
colegas procuradores relatando o alinhamento do ministro ao lavajatismo.
Segundo a mensagem, Fux criticou Teori Zavascki por ter repreendido Moro quando
ele grampeou e divulgou ilegalmente a conversa entre Lula e Dilma. Ou seja, um
ministro do STF aprovou a jogada ilegal de Moro, que consistiu em vazar a
conversa para a imprensa, influenciar a opinião pública e constranger o STF a
aceitar a prova ilícita.
Ainda segundo
Dallagnol, que pediu para os colegas que mantivessem o assunto em segredo, Fux
afirmou também que a “Lava Jato poderia contar com ele”. Essa mesma mensagem
foi encaminhada para Moro, que respondeu a frase que já se tornou um clássico
do conluio lavajatista “In Fux we trust”. Era mais um juiz do Supremo com o
qual a Lava Jato podia contar. Acusador, juiz de primeira instância e mais um
juiz de última instância estavam unidos para burlar a lei e atender os anseios
de uma sociedade que vinha sendo meticulosamente enganada.
O trio lavajatista do STF se curvou
covardemente à violência institucional comandada pela força-tarefa.
Menos de um mês
após a revelação dessa troca de mensagens, Fux não parecia incomodado. Em
uma palestra para investidores, continuou jogando
pra torcida e reafirmou o seu lavajatismo: “Quero garantir que a Lava Jato vai
continuar. E essa palavra não é de um brasileiro, é de alguém que assume a
presidência do Supremo Tribunal Federal no ano que vem, podem me cobrar.” Temos
aqui mais um ministro do STF, cuja principal função é zelar pela Constituição,
se colocando como garantidor de uma operação que comprovadamente violou de
forma sistemática a…Constituição. Fux, que jamais negou o teor da conversa que
teve com Dallagnol, não irá largar seus companheiros feridos na estrada. É
nesse nível de promiscuidade e desfaçatez que o lavajatismo chegou.
Nessa semana,
Gilmar fez questão de lembrar alguns desses episódios em um voto contra os arbítrios da Lava Jato. Para
ele, os integrantes da força-tarefa são “gangsters” que levaram o Brasil a
viver “uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal”.
Gilmar ficou
especialmente pistola com as revelações de que os procuradores comandaram uma
caçada ilegal contra ele. Janot, um lavajatista de peso que chefiou o
Ministério Público, confessou até que tentou assassiná-lo.
Passaram a investigar o ministro clandestinamente
com o objetivo de reunir munição contra ele. Dallagnol articulou com o senador Randolfe Rodrigues, da
Rede, a abertura de uma ação pelo impeachment de Gilmar. Em outra frente, a
procuradora Thaméa Danelon foi convidada por um escritório
particular para ajudar a redigir a ação de impeachment contra Gilmar Mendes.
Diante da ilegalidade, seu chefe não só a aplaudiu como a orientou. “Sensacional
Tamis”, “apoiadíssima”, “manda ver”, essas foram as palavras que Dallagnol
escreveu ao saber que sua subordinada foi convidada para cometer um crime.
Barroso, Fux e
Fachin não passaram por nada disso. Desfrutaram da tranquilidade de estarem
alinhados ao núcleo político mais poderoso do país, com capacidade para
investigar, mobilizar movimentos sociais e parte do congresso, e assassinar
reputações através do braço midiático do conluio. Perceba que Gilmar não
exagera quando compara com “gangsters”. O modus operandi é de máfia. Enfrentar
a Lava Jato era enfrentar um monstro popular com conexões em todas as esferas
de poder. O trio lavajatista do STF se curvou covardemente à violência
institucional comandada pela força-tarefa.
Através de muitas
ilegalidades, criou-se um clima no país em que qualquer um que ousasse
contestar a Lava Jato era automaticamente jogado na vala dos defensores de
bandido. Aqueles que topassem dançar a valsa lavajatista, estariam blindados.
Barroso, Fux e Fachin foram os ministros que toparam a dança e, mesmo depois da
Vaza Jato, continuam até hoje dançando à beira do precipício da democracia.
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Reportagem Original -Intercept Brasil
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