20 de junho de 2017 – Chat DD-Assessor2-Assessor1
Deltan Dallagnol – 12:33:07 – Mas por que a polêmica sobre isso é ruim?
Dallagnol – 12:33:26 – Vai reforçar coisa boa
Assessor 1 – 12:34:20 – não vai, esse é que é o problema. o que chama a atenção é o negativo, não o positivo.
Assessor 1 – 12:34:56 – Lula não pode dar palestra, procurador que ganha super salário pode…
Assessor 1 – 12:35:32 – procurador fatura e ainda tenta posar de bom moço…

Em nenhum momento nos chats Dallagnol cogitou parar de receber para palestrar. Apesar das críticas, da investigação na corregedoria, das matérias jornalísticas e do risco à sua reputação relatado pela assessoria, Dallagnol e seus colegas continuavam empolgados com a perspectiva de novas palestras remuneradas. Em fevereiro de 2018, – depois da palestra pública na XP e antes do encontro secreto com os bancos – o procurador relatou a Roberson Pozzobon um novo convite da XP e pareceu se importar pouco com as considerações éticas e as consequências para sua imagem.
8 de fevereiro de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 15:51:25 – Robito, recebemos o seguinte convite: A XP Investimentos quer você de novo este ano mas quer fazer uma painel com você, Dr. Carlos FernandoDiogoe Robinho. Querem os 4. Alguém da XP irá fazer perguntas. Não é show??? Vocês fariam isso, certo? Eu fiquei super animada, acho que vai ser o melhor painel EVER! Temos que ver uma data entre 20 e 22 de setembro. Me fala o que vc acha, por favor? Pra Vc ofereceram 25.000. Tem risco de imagem, mas CF e eu achamos que dá pra irmos, apesar do risco.
Roberson Pozzobon – 16:28:37 – Castor também achou que nao há risco, Delta?
Dallagnol – 16:58:41 – castor respondeu: “vou ficar rico”
Dallagnol – 16:58:54 – Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs.
Dallagnol – 16:59:16 – Cara, olho o quanto apanho publicamente. Uma a mais não vai fazer diferença rs.
Dallagnol – 16:59:21 – (pra mim)
Dallagnol – 16:59:30 – Não sendo nada errado…
Dallagnol – 17:02:41 – Ah, CF acha que tem mais risco no caso de Vc e Júlio, que estão sentando com os bancos
Dallagnol – 17:02:58 – Podemos conversar sobre isso depois, se quiser, mas gostaria de dar resposta, se possível, até amanhã
Pozzobon – 17:37:15 – kkkkkkk
Pozzobon – 17:37:34 – Beleza!
Pozzobon – 17:37:48 – Vamos conversar sim
Pozzobon – 17:39:09 – Não vejo diferença, pois o procedimento é da FT
Pozzobon – 17:40:03 – Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois

Pozzobon e Dallagnol aceitaram o convite e participaram do evento ao lado dos colegas Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos.
A força-tarefa da Lava Jato não comentou o conteúdo da reportagem e enviou sua resposta padrão: “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes”, que “pautam sua conduta pela lei e pela ética”.

‘É QUE FIZ PALESTRA PRA ELES.’

UNAFISCO SeminarFoto: Suamy Beydoun/AGIF via AP
Ironicamente, palestras remuneradas constituíram uma peça central no argumento da força-tarefa, sob o comando de Dallagnol, para a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na sua decisão autorizando a quebra, o então juiz Sergio Moro escreveu que os valores altos — mesmo sem indício de crime — eram suficientes para criar “dúvidas” e justificar a investigação: “Não se pode concluir pela ilicitude dessas transferências, mas é forçoso reconhecer que tratam-se de valores vultosos para doações e palestras, o que, no contexto do esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas sobre a generosidade das aludidas empresas e autoriza pelo menos o aprofundamento das investigações.” As palestras de Lula também geraram bastante atenção da imprensa.
O código de ética do Ministério Público brasileiro é mais ameno do que o de muitos de seus pares estrangeiros. O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional, por exemplo, veda a seus membros “aceitar remuneração de qualquer fonte externa para qualquer publicação, palestra externa ou outro ato que esteja relacionado aos propósitos, atividades ou interesses da Corte, como taxa de palestras, honorário ou outro abono”. O Departamento de Justiça dos EUA também proíbe este tipo de atuação por parte de seus procuradores e outros funcionários:
“Geralmente, um funcionário não pode ser [financeiramente] recompensado por falas ou textos que se relacionem com seus deveres oficiais. Um assunto se relaciona com as funções oficiais de um funcionário se uma parte significativa trata de um tema que foi atribuído ao empregado atualmente designado ou no último ano; qualquer política, programa ou operação em curso ou anunciada do Departamento…”
O Departamento de Justiça também estipula que “um funcionário é proibido de participar de qualquer assunto em que tenha interesse financeiro”. Na sua primeira palestra para a XP sobre “ética e Lava Jato”, Dallagnol brincou abertamente sobre o fato de possuir ações da Petrobras e do BTG Pactual na Bolsa.
‘Se não estiver, vou fazer, como fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não’
Essas regulações internacionais existem não apenas para diminuir o risco de corrupção nas entidades, mas — de igual importância — para evitar a possibilidade de percepção de corrupção. “A percepção pública da ética dos funcionários públicos é extremamente importante”, explica um livro didático sobre corrupção global endossado pela ONU e pela Transparência Internacional. “Se o público acreditar, mesmo que erroneamente, que os funcionários públicos são antiéticos, as instituições democráticas sofrerão com a erosão da confiança pública.”
A ombudsman do Banco Central da Europa pediu no ano passado que os líderes da instituição parassem de participar de encontros fechados com grandes bancos privados. Ela argumentou que a nova medida “inegavelmente ajudaria a reforçar a confiança do público no BCE”.
Ao criar regras rígidas, as instituições evitam situações em que seus funcionários possam ser tentados a flexibilizar normas éticas, mesmo que violações flagrantes não ocorram. Além disso, tentam impedir que a população enxergue funcionários públicos como pessoas de valores “flexíveis”, a depender do pagamento.
Em alguns casos, Dallagnol e sua equipe claramente se mostraram cientes de potenciais armadilhas éticas em trabalhos remunerados por terceiros e tentaram evitar aceitar dinheiro de entidades que estavam sob investigação da Lava Jato.
26 de março de 2019 – Chat Incendiários ROJ
Deltan Dallagnol – 01:10:37 – Caros, imagino que não esteja no radar pq nca ouvi falar, mas melhor garantir. O Banco Pan está no radar pra algo? Eles entraram em contato com a Fernanda da Star pedindo palestra pra semana de compliance deles
Dallagnol – 01:11:30 – Se não estiver, vou fazer, como fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não
Júlio Noronha – 05:29:04 – Não está no radar. Mande ver

Mas o conceito de “influência” pode ser mais difuso. Em novembro de 2017, um assessor de comunicação de Dallagnol avisou que havia chegado “um pedido da Federação Nacional dos Combustíveis para fazer uma entrevista”, mas acrescentou que a publicação era pequena: “Não tem repercussão, seria mais para “ganhar ? ? pontos com o pessoal do setor, se interessar.” Dallagnol respondeu: “to na dúvida se vale a pena falar algo”, e continuou: “É que fiz palestra pra eles. Eles mandaram uma lista enorme de perguntas. Pedi pra mandarem 3 ou 4 que respondo rs”. A entrevista, aparentemente, não aconteceu.
Após a palestra secreta na XP Investimentos, seu contato com a empresa, Débora Santos, enviou uma série de perguntas em off para Dallagnol, aproveitando o relacionamento estreitado no encontro. “Olá, Deltan. Uma ajuda. Em off total, como vc avalia a decisão do Supremo de proibir as conduções coercitivas?”, perguntou Santos em 14 de junho de 2018. Deltan respondeu, cauteloso: “postei no tt de madrugada até… atacando pilares da LJ… como Fachin colocou, esse papo de garantias individuais é um discurso pra proteger oligarquias. Coisa de capitalismo de compadrio”. Em fevereiro de 2019, a contratante fez uma outra pergunta no Telegram: “Oi Deltan. Tudo bom. Em off, quais as impressões de vcs sobre o novo juiz da LJ? Pode embarreirar os trabalhos? Vcs já se conheciam?” A XP parecia querer cobrar a conta, buscando acesso privilegiado junto ao procurador. Dallagnol, desta vez, não respondeu.
No mesmo documento em que anotara, anos atrás, os valores de palestras cobrados por figurões da República, Dallagnol mapeou os “próximos passos” de sua carreira de palestrante e escreveu uma nota para si mesmo. Ele registrou: “Acho que onde eu posso agregar hoje é treinamento em setor de compliance e eventualmente ética empresarial, mas precisaria estudar mais ética… complicado.” O estudo não teria feito mal.